Antes do recente acordo ortográfico, palavras como co-autor, co-piloto ou co-responsável sugeriam, de forma evidente no prefixo “co-”, um sentido de pluralidade, de junção e até de igualdade. Com o novo acordo perderam o hífen, assim como aconteceu há muito com palavras como coexistir, coabitar ou colaborar que também eram (e continuam sendo) facilmente entendidas como portadoras de igual coletivismo: ninguém concebe a ideia de coexistir, coabitar ou colaborar sozinho/a.
O prefixo “co-” vem do latim “cum” que significa “com”, que por sua vez, tem o significado de contiguidade, companhia, união de dois ou mais elementos. E as palavras que partilham esta origem são inúmeras: cooperar, consenso, contrato, coalizão, combinado, corroborar, companheiro, colega, comparsa, conjugue, etc.
Coragem não é umas delas. Vem do latim “coraticum” que significava literalmente “ação do coração” (o coração, na época, representava a mente e a alma da pessoa). Hoje, a palavra coragem remete-nos a atos de bravura dignos de alguém que, numa situação desfavorável, conseguiu impôr-se. Este significado é inegavelmente nobre: demostra valentia e superação. No entanto, a não ser que seja contextualizada de forma diferente, coragem remete-nos a uma ação solitária, de um ser individual, que no seu feito enfrentou os seus próprios desafios ou medos.
No contexto atual pandêmico, coragem passou a ser uma necessidade coletiva de sobrevivência. Coragem de se afastar de pais, avós, filhos e netos. Coragem de experienciar a solidão pela primeira vez. Coragem de dizer não a encontros, celebrações e rituais. Coragem de ir trabalhar num hospital. Coragem de ficar semanas sem sair de casa. Coragem de não abraçar os amigos. Coragem de não desesperar depois de ser demitido. Coragem de mudar de ramo de trabalho. Coragem de aguentar a doença e de a superar. Coragem de deixar o emprego pra ir cuidar de uma pessoa querida. Coragem de presenciar a morte. Coragem de prosseguir a vida.
“co-ragem” seria o neologismo proposto, que continuaria remetendo à bravura de enfrentar a adversidade, porém uma bravura coletiva, vinculada ao senso de zelar pelo bem-comum, através das diversas formas de empatia, que vão desde as recomendações da OMS até à escuta empática
Assim, especialmente para quem perdeu alguém querido na pandemia,
co-ragem!
para @coessencial
ilustração: @brunoassisfonseca
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